Avaliação de Impacto Ambiental e suas Diretrizes
Karina Gomes Cherubini
A avaliação de impacto ambiental (AIA) é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, nos termos do artigo 9º, inciso III, da Lei Federal nº 6.938/81 (BRASIL, 1981). Pode ser definida como “conjunto de estudos técnicos e medidas administrativas para analisar o impacto de implantação de determinada atividade e suas alternativas” (BURMANN, 2014, p. 11). O principal estudo é o de Impacto Ambiental (EIA), destinado às atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, nos termos do artigo 225, §1º, inciso IV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Faz-se acompanhar do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), que representa uma versão mais coloquial, onde os termos técnicos são “traduzidos” para compreensão dos interessados em geral. Consubstancia as conclusões do Estudo de Impacto Ambiental, mas em “linguagem corrente adequada à sua compreensão pelas comunidades afetadas e demais interessados” (RIO DE JANEIRO, 2014).
A avaliação de impacto ambiental foi detalhada pela Resolução nº 001, de 23 de Janeiro de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 1986), que dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para sua realização.
Referido regramento define, em seu artigo 1º, o que seja impacto ambiental e elenca as atividades modificadoras de meio ambiente que dependem de estudo de impacto ambiental para seu licenciamento (artigos 2º e 3º), alertando para o arrolamento exemplificativo, posto que outras atividades, ainda que não listadas na Resolução, podem depender da análise dos impactos.
No seu artigo 5º, a Resolução nº 001/1986 (BRASIL, 1986) elenca as diretrizes gerais para a realização do estudo de impacto ambiental. Pela sua importância para este trabalho, transcreve-se o artigo:
Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais:
I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;
II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;
III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;
lV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.
Para atendimento da primeira diretriz, o estudo de impacto ambiental deve apontar a descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando: área de influência, matérias primas, mão-de-obra, fontes de energia, processos e técnica operacionais, prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, geração de empregos (MEDEIROS, 2014). A importância do apontamento de alternativas locacionais está na definição dos ambientes que serão impactados, dos processos construtivos e industriais, dos recursos utilizados e dos rejeitos que serão produzidos pelo projeto (BRASIL, 2004, p.12). Implica análise comparativa dos ambientes, com o mesmo grau de detalhamento, e não somente dos que representarem menor custo financeiro para o empreendedor (BRASIL, 2004, p. 13).
Os impactos avaliados podem ser, conformem listam Medeiros (2014) e o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2014) positivos ou benéficos, negativos ou adversos (conforme a ação resultar na melhoria ou dano da qualidade de fator ou parâmetro ambiental), diretos ou indiretos (resultantes de uma reação primária ou de uma reação secundária, ou quando é parte de uma cadeia de reações), local (quando a ação afeta o próprio sítio e suas imediações), regional (quando a ação se faz sentir além das imediações do sítio) ou estratégico (quando o componente ambiental afetado tem relevante interesse coletivo e nacional), temporário, de curto prazo, a médio e longo prazo, permanente, cíclico (quando os efeitos se manifestam em intervalos de tempo determinados), reversível ou irreversível ( a depender da volta do ambiente à sua forma original ou não, quando cessada a ação) e cumulativo (derivado da soma ou da interação de outros impactos ou cadeias de impacto, gerados por um ou mais de um empreendimento isolado num mesmo sistema ambiental)
Faz-se importante não somente a descrição dos impactos, mas a sugestão de medidas mitigadoras e forma de monitoramento de sua eficácia, em todas as fases do empreendimento, desde a sua localização e implantação, até a fase em que esteja em operação ou venha a ser desativado.
Para a avaliação da área de influência, terceira diretriz, é necessário que o estudo descreva o estágio em que encontrou o ambiente, isto é, antes da implantação do projeto, em suas vertentes física, biológica e antrópica ou sócio-econômicas. Deve incluir, segundo Medeiros (2014), "variáveis suscetíveis de sofrer direta ou indiretamente efeitos em todas as fases do projeto; os fatores ambientais físicos, biológicos e antrópicos de acordo com o tipo e porte do empreendimento; informações cartográficas com as áreas de influência em escalas compatíveis com o nível de detalhamento dos fatores ambientais considerados".
Embora a Resolução nº 001/86 (BRASIL, 1986) aponte para uma única área de influência, têm sido adotadas subdivisões, como Área de Influência Direta, Área de Influência Indireta, Área Diretamente Afetada, Área de Entorno e Área de Influência Difusa, terminologias estas que podem levar a interpretações confusas, por não estarem devidamente conceituadas (BRASIL, 2004, p. 15). Os impactos na área de influência devem obrigatoriamente considerar a bacia hidrográfica a que pertence.
Um exemplo prático da realização de estudos de impactos ambientais é o caso do Porto Sul, a ser instalado no Município de Ilhéus (BA). O estudo de impacto ambiental apresentou seis alternativas locacionais, em ordem de viabilidade: 1° Ponta da Tulha/2° Distrito Industrial/3° Porto de Ilhéus/4° Aritaguá/ 5° Serra Grande, no município de Uruçuca/6° Porto de Campinhos situado no município de Maraú. Foram realizadas audiências públicas e alterações nos estudos de impactos ambientais, inclusive pelas intervenções do Ministério Público Federal e Estadual e do Ibama (MESQUISTA, 2011), culminando em Recomendações desses órgãos e tomada de termos de ajustamento de conduta do Governo da Bahia e da Bahia Mineradora- BAMIN (TAC, 2014).
Outro exemplo é o da construção da usina de Belo Monte, na bacia do Rio Xingu (PA), planejada pela Eletronorte por volta de 1989, com o nome Kararaô e posteriormente rebatizada para Belo Monte. Dentre os questionamentos, está a falta de consulta às populações indígenas diretamente afetadas, o que provocou encontros dos índios para demonstrarem seu descontentamento com a política de construção de barragens no Rio Xingu. O I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu foi realizado em 1989, com repercussões internacionais; o segundo foi realizado em 2008, originando o Movimento Xingu Vivo para Sempre (A POLÊMICA, 2014). A Procuradoria da República no Pará aponta, ainda, vícios no estudo de impacto ambiental, iniciado sem termo de referência e na contratação de empresas, sem licitação, para a realização dos estudos, as quais posteriormente concorreriam à construção da hidrelétrica, com conhecimentos prévios do projeto, representando privilégios e quebra da isonomia frente aos demais concorrentes (BRASIL, 2014).
O Estudo de Impacto Ambiental tem sua importância preventiva, para evitar que empreendimentos ou atividades que provoquem significativo impacto ambiental sejam instalados sem adoção de medidas mitigadoras e compensatórias. Interfere no licenciamento ambiental e na discricionariedade do administrador, pois, dependendo das conclusões do estudo quanto à viabilidade ambiental, o empreendimento pode não ser autorizado. Como afirma Benjamin (apud RIO GRANDE DO SUL, 2014), “retira do órgão licenciador a discricionariedade absoluta, tanto no aprovar, como no rejeitar liminarmente um determinado projeto”. Entretanto, não significa que as conclusões do Estudo de Impacto Ambiental não possam ser desconsideradas pelo Administrador para conceder a licença ambiental. Neste caso, como adverte Rodrigues (2014), “havendo algum tipo de dano ao meio ambiente e, no entanto, se a atividade contribuiu para o desenvolvimento socioeconômico, é possível que o Poder Público autorize a atividade, desde que fundamente sua decisão”.
É um importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, já que idealizado para privilegiar o estudo dos efeitos ambientais, aqui compreendidos os meios físico, biológico e sócio-econômico, que engloba o meio ambiente cultural, sem se impressionar, somente, pelas vantagens econômicas do empreendimento.
Permite, em outras palavras, a ponderação “entre os benefícios de um projeto e seus custos ambientais, normalmente não computados nos seus custos econômicos” (MEDEIROS, 2014). Na fase de diagnóstico, considerará “todos os impactos positivos e negativos associados ao projeto, como um todo”, enquanto na fase de prognóstico, indicará como “o projeto pode ser desenvolvido” (MEDEIROS, 2014), de forma a provocar o menor número possível de efeitos sociais e ambientais negativos, contribuindo, destarte, para um desenvolvimento sustentável.
Em síntese, o estudo de impacto ambiental é um “diagnóstico ambiental da área de influência de um projeto, numa perspectiva histórica, para servir de base à previsão e avaliação dos impactos e à proposição de medidas de mitigação e compensação cabíveis” (BRASIL, 2004, p. 10).
A Constituição Federal, em seu artigo 225, §1º, inciso IV, e as Resoluções nº. 001/86 e 009/87, do Conselho Nacional de Meio Ambiente, asseguram a publicidade e a participação pública no processo de análise dos Estudos de Impacto Ambiental.
Entretanto, não tem sido incomum a participação “forçada”, quando há caravanas patrocinadas pelo empreendedor, pelo governo ou pelos oposicionistas ao projeto, sem que o número de participantes, apesar de expressivo, indique interesse em apresentar os anseios da comunidade, impugnar pontos do Estudo, enfim, participar ativamente daquele momento de escuta e explicação sobre o empreendimento e seus impactos.
Sem a efetiva participação da comunidade, através das audiências públicas, e de órgãos imparciais, com atuação na área ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental pode tornar-se um instrumento dirigido à aprovação do empreendimento, por mais que se espere da equipe multidisciplinar que assina o estudo lisura, ética e comprometimento com o meio ambiente. Isto se dá tanto em razão de quem a contrata (próprio proponente do projeto), como dos interesses econômicos e políticos em jogo, avalizados pelas esferas governamentais, como pode ser visto nos exemplos de Porto Sul e Usina de Belo Monte. Possivelmente por tal razão, dificilmente há Estudo de Impacto Ambiental que conclua pela inviabilidade do empreendimento ou discorde da pretensão locacional do empreendedor no projeto (BRASIL, 2004).
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 6.938, de 31 Ago. 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e da outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 02 Set. 1981. Disponível em <
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf
BRASIL, Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução nº 001, de 23 Jan. 1986. Dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental. Diário Oficial da União, Brasília, 17 Fev. 1986. Disponível em<
www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em 06 Jul. 2014.
BURMANN, Alexandre. Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Palhoça: UnisulVirtual, 2014. Material didático produzido para a disciplina de Política Nacional do Meio Ambiente do curso de especialização em Direito Ambiental.
RODRIGUES, Melce Miranda. Política Nacional do Meio Ambiente e a eficácia de seus instrumentos. Revista Âmbito Jurídico. Rio Grande. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7500>. Acesso em 26 Jun. 2014.